terça-feira, maio 01, 2007

NA MORTE DE UM POETA - Eduardo Pitta

Só hoje, lendo as dedicatórias que antecedem Antecedentes Criminais, criteriosa antologia com que Amadeu Baptista assinala 25 anos de obra em livro, só hoje, dizia, soube da morte de Luís de Miranda Rocha (1947-2007), poeta, ensaísta, crítico e jornalista. O facto pareceu-me tão espantoso que tive de ir conferir ao Google, por intermédio do qual li a notícia do semanário Sol. A morte inesperada ocorreu no passado 28 de Março, em Coimbra. Dissidente do jornalismo profissional, Miranda Rocha trocou o Diário de Lisboa, onde trabalhou durante quase vinte anos, pelo sossego da província. Dito de outro modo, trocou a visibilidade que um jornal (então) influente lhe dava pela paz de espírito. Retirado em Mira, e mais tarde em Coimbra, cidade onde chegou a leccionar Teoria da Comunicação, nunca deixou de escrever e publicar. A partir de certa altura perdi a conta aos livros, mas não exagero se disser que são praticamente três dezenas de títulos, entre poesia (a parte de leão) e ensaio. Uma coisa sei: importa reunir essas colectâneas dispersas, publicadas a partir de 1968, sempre à margem do circuito mainstream. Os ritmos gaguejantes que privilegiava, em resultado de uma pontuação agramatical e alógica, fazem da poesia que deixou um corpo de tensa organicidade. Como diz num poema de Os Arredores do Mar, Os Subúrbios da Noite, de 1993, «A noite altera a voz que ouve o som que canta». Conheci-o em 1976, pouco depois de chegar a Portugal, e fui acompanhando o seu percurso de outsider assumido. É verdade que nos últimos anos as notícias eram raras, mas não estava nada à espera de ter uma notícia destas.

EDUARDO PITTA in: Da Literatura - http://daliteratura.blogspot.com/