domingo, outubro 30, 2005

CONSTANTIN CAVAFY
'CESARIÃO'



Para verificar uma data, bem como
para distrair-me, ontem fiquei eu
até tarde da noite a ler um tomo
de antigas inscrições da época dos Ptolomeus.
As loas e as lisonjas, sempre ingentes,
são todas parecidas. Toda a gente
é forte, brilhante, gloriosa, clemente,
e toda empresa é magna, sapiente.
De igual modo, as mulheres da estirpe, essas várias
Berenices e Cleópatras, todas extraordinárias.

Depois de haver conseguido verificar a data,
ia largar o livro quando uma pequena
menção sem importância ao rei Cesarião
prendeu-m a atenção repentinamente.

Ah, chegaste com a indefinida
graça tua. Na História, só algumas
e escassas linhas há a teu respeito,
pelo que minha mente te afeiçoou com liberdade.
Foi sensível e belo que te fiz.
Ao teu rosto minha arte concedeu
uma beleza encantadora, como em sonho.
Tão plenamente imaginei-te
ontem, noite alta, ao apagar-se
minha lâmpada - deixei e quis que se apagasse -
que me atrevi a pensar entravas no meu quarto;
pareceu-me ver-te à minha frente qual serias
em meio à Alexandria conquistada,
pálido e fatigado, ideal na tua dor,
ainda esperando que de ti se apiedassem
os perversos - que cochichavam "Césares demais".

[Trad. JPP]

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