I
1.
O som do mundo o som de mais a percepção imenso o ouve
o ouve imenso o som do mundo a percepção esse tumulto
tumulto esse agreste triste que crescendo vaga informe
informe vaga essa noção o seu rumor intenso alastra
Essa noção de que excessivo o som do mundo é som de mais
é som de mais acumulado a percepção a luz perturba
a luz perturba o som disforme disturba a luz perturba
disturba o som alto que cresce tumulto intenso o som do mar
2.
Do mundo ouve o canto ouve anda no ar aéreo anda
azul rumor crescente vaga vespertina que evolui
em que sentido o entrevê o entreouve imenso avança
na sua força impetuosa crescendo contra o coração
O mundo vê o mundo anda esse rumor de que luz tensa
de que luz viva de que luz nova um rumor cresce forte no ar
forte que ouve essa luz vê essa luz canta nos ouvidos
do mundo a vida renovada o seu som cresce e faz crescer
3.
Ouvendo o mundo o dia o grande mar durante
o som da luz a percepção de que diurno
rumor enorme vasto imenso que no ar
no som do ar na luz do ar crescendo canta
O som a luz isso que ouve isso que vê
isso que ouvê anda no ar difusa vaga
tumulto que anda no ar informe incerto
o som metal a luz metal denso alumínio
4.
Obscuro o agreste que nos brilhos intenso
desse mar vespertino tão real irreal
de metal tão intenso o seu tenso rumor
na aérea solar percepção que cintila
5.
Vespertina apatia tão real irreal
desse mar que metal nos seus brilhos cintila
ilumínio furor excessivo demente
percepção indemente gravemente indemente
percepção de que o brilho que cintila rutila
Tão grave tão agudo tão suave e agreste
vespertino cintila esse mar de metal
6.
Tantos centros de que margens só há margens
e margens de que centros só no mar
só há centros da terra só há margens
do mar a mais incerta percepção
do mar que litoral vaga deriva
7.
Isso alucina de excessivo isso estonteia
a percepção do mundo imagem desvario
A percepção do mundo grave à tarde triste
esse rumor que vespertino exasperado
Esse rumor exasperado esse clamor
isso de excesso esse rumor isso acumula
Isso de excesso demasiado essa imagem
8.
Isso que paira vespertina percepção
o mar ondula devagar o mar ondeia
Isso que paira o mar ondeia isso no ar
essa visão do mundo à tarde flutua
Isso que paira flutua isso que vê
anda no ar sobre as imagens e desliza
Isso que paira isso desliza isso desanda
isso desloca-se devagar para que tende
Isso que paira essa que vaga luz difunde
luminações cintilações que se propagam
Isso que paira são semoventes que cintilam
rutilações escuramente luminosas
9.
Do dia tem que percepção residual o dia ouve
do luminoso dia ainda o som que canta vespertino
a sua luz grave escurece vaga que desce enfraquecida
sombria vaga entristecida desses motores o estertor
É obscuro iluminoso ouve-o vê-o que desliza
vê-o e ouve que decai a sua grave imagem triste
a propensão dessa imagem vespertina inclinada
para a noite propensão tendência para o declínio
10.
Ouvindo o mar o mundo a vida
a percepção ondeia ondula
Ou flutua ágil ligeiro
esse sentido flutua
Ondula viva a percepção
instável muda e evolui
Em que sentido isso evolui
em que sentido incerto ondeia
Anda no ar o seu som rouco
ouve-o no ar tumulto vivo
Ondula ondeia esse tumulto
crescente vaga esse rumor
...
II
22.
Tão nocturno no ar esse mar que ressoa
tão tumulto crescendo esse som que do mar
toda a noite no mundo o ouvindo durante
esse som os ouvidos a cabeça devasta
tão informe do mar esse som que flui
percepção de que anda tão incerto alterado
23.
Mais de noite ressoa o que ouve esse mar
o que anda no ar que desliza acelera
um rumor um furor que resvala desanda
num suave clamor decrescendo o agreste
Mais de noite ressoa que o ouve no ar
o que ouve esse mar que ondula ondeia
percepção sensação devagar que flui
de que agreste suave que no ar flutua
24.
Flutua no ar a cabeça o sentido
da vida na cabeça do mundo na cabeça
Flutua no ar sobre as águas do mar
flutua flui levíssimo ligeiro
Flutua no ar semovente e ondula
tão veloz devagar tão enorme o imenso
Flutua no ar do coração inetenso
o sentido intenso o senso de que
Se desliza resvala
25.
Que informe deflagra grave incerto rumoroso
clamor vivo incendeio ilumínio que a imagem
deflagra na cabeça deflagra o coração
na cabeça deflagra surda luz que desvario
Desvario que devasta o som do mundo irregular
a percepção do som do mundo numeroso vasto ondeio
a percepção da existência esse rumor esse ruído
a percepção desse ruído que entrevê que entreouve
Devasta o mundo a vida vasta o coração os seus motores
numeroso o seu rumor devastador a existência
como um furor ouvido grave canta por dentro da cabeça
canta por dentro mais intenso esse rumor esse clamor
vasto por dentro que ressoa interno forte nos ouvidos
Atinge forte o coração os centros todos atordoa
26.
A percepção disso de que isso exaspera
isso o incerto à vaga luz isso é informe
Isso é informe formação que se desloca
isso no ar muda de forma em movimento
De que informe percepção isso depende
vertiginoso que desliza
Que resvala devagar
27.
Ouve-se canta esse rumor vasto suave deflagra
ouve-se canta é um rumor é um clamor agreste e rouco
ouve-se canta é um estertor ouve-se dentro na cabeça
Esse rumor esse clamor devastador imenso e grave
anda no mundo anda no ar ouve-o forte é um furor
é um excesso grave de mais cantando triste nos ouvidos
28.
Isso que ouve esse rumor isso alucina
isso que ouve é percepção quase demente
Isso que ouve cresce por dentro vê-o crescer
a percepção disso que cresce é excessiva
Isso que ouve tende a crescer cada vez mais
a percepção disso que cresce em que sentido
Isso que ouve esse rumor de cordas tensas
de arcos sobre as cordas tensas evolui
Isso que ouve esse rumor é um clamor
é um rumor devastador do mundo triste
Isso que ouve o mundo triste isso ressoa
interno dentro a percepção grave devasta
Isso que ouve isso devasta esse rumor
esse clamor interior interno dentro
Isso que ouve esse som surdo isso em surdina
isso ensurdece isso aturde isso atordoa
A cabeça ou ouvidos a cabeça
29.
Ouve-se canta esse rumor vasto suave deflagra
ouve-se canta é um rumor é um clamor agreste rouco
ouve-se canta um estertor ouve-se canta na cabeça
Esse rumor esse clamor devastador imenso e grave
anda no mundo anda no ar ouve-o forte é um furor
é um excesso grave de mais cantando triste nos ouvidos
30.
A noite cresce a vida dentro a viva noite ouve-a crescer
ouve-a crescer ouve que canta intensa mais veloz ligeira
a vida a noite que acelera a vida a noite acelerada
a vida dentro a noite dentro interna canta interior
A noite canta luminosa o seu deslize arterial
intensa luz forte ilumínio do seu som há que percepção
que visão há que entrevisão no som que ouve que entrevê
no som que ouve o que entrevê o que entreouve a noite canta
31.
Nocturno o som do mundo ouve
escuro intenso a sua voz
o som do mundo grave
o som do mundo tanto
Rumor imenso vasto
azul escuro intenso
o som do mundo a noite
rumor azul descanta
furor clamor triste
32.
Ganindo o ouve agudo grave que lancina
de que sentido tão intenso esse rumor
é percepção já irreal de que a unidade
do real a sua imagem devastou-se
fracturou-se essa imagem dividiu-se
distendeu-se o seu rumor a percepção
Ouvê-se mal que deflagra esse rumor
é um furor é um clamor que ensurdece
os ouvidos que devasta é um ruído
num crescendo que alastra prolifera
que domina que entristece que oprime
irreal a cabeça o coração
Fragmentos de Nocturnos Litorais
Edição: O Mirante
Santarém, 2003
segunda-feira, abril 30, 2007
segunda-feira, abril 02, 2007
Luís de Miranda Rocha - LivrosÚltimo
FINGIMENTO E ESCRITA
Fernando Pessoa numa perspectiva da comunicação e dos meios
Editora O MIRANTE, Santarém
Setembro de 2006
A bibliografia sobre Fernando Pessoa é hoje tão vasta que quase se tem a tentação de dizer que sobre ele e a sua obra já tudo foi dito. E sobre os poemas «Autopsicografia» e «Isto» (sobretudo o primeiro) já tanto se disse que parece não haver muito mais a dizer. Não é essa no entanto a ideia em que aqui se assenta e de que aqui se parte para uma leitura nova e diferente destes poemas e da obra de Pessoa (de que tais poemas são a chave para toda a interpretação), numa perspectiva da comunicação e dos meios. Na perspectiva da comunicação, já muito se escreveu. Na perspectiva dos meios, não, pelo menos para além de algumas aproximações, mais nos domínios do psicológico e do literário do que do comunicacional. No caso, o meio central em questão é a escrita. E é disso que se trata nos textos deste livro. uma revisão crítica das leituras de «Autopsicografia»; uma leitura nova (comunicacional e mediológica) deste poema; outra do poema "Isto"; uma análise da frase "A minha pátria é a língua portuguesa"; outro sobre a máquina de escrever e as alterações comunicacionais por ele produzidas; outro ainda sobre um poema de Dylam Thomas, onde é da escrita que se trata, e dos seus poderes (aquém e além das evidências de que o que está em questão é o problema da guerra ou da paz). "Fingimento e Escrita, Fernando Pessoa numa perspectiva da Comunicação e dos Meios", situando-se, embora, na linha dos estudos pessoanos, pretende-se, aí, algo de diferente e novo, renovador, inovador,alterador.
Luís de Miranda Rocha
"Isto", uma leitura
Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sinto ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço,
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está o pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que o não é.
Sentir? Sinta quem lê. (1)
É o poema "Isto" e aparece em diversos manuais escolares e antologias logo a seguir a "Autopsicografia". E não é por acaso, decerto. Talvez principalmente por duas razões.
Uma é que, na ordenação temporal do poemário de Pessoa ortónimo, os dois poemas estão muito próximos, a uma distância de cerca de dois anos e na última fase da vida do autor.
Outra é que, talvez por isso, é mais entrevisível a relação entre os dois poemas no que respeita ao tema, aos temas.
Mais importante do que a ligação entre os dois poemas é o carácter explicativo que se pode atribuir a "Isto" relativamente a "Autopsicografia". Explicativo e/ou justificativo. Complementar e/ou suplementar, também, decerto. Mas dizer complementar ou suplementar é significar pouco, face à íntima relação (temático-assumptiva, estilística, até formal) entre os dois poemas. E ainda que sem grande rigor, porque no domínio das impressões, poderíamos falar também do mesmo tom de voz, de fala, de discurso.
O próprio título, "Isto", parece indicativo a tal respeito. Isto é um pronome demonstrativo neutro, aplicado a um conjunto indeterminado de objectos, de situações. Indica, porém, a proximidade do que vagamente (neutralmente, digamos, ou indiscriminada e distanciadamente) designa.
No caso, "Isto" parece apontar aquilo de que em "Autopsicografia" se trata: o fingimento, a escrita que o medeia e processa, o que resulta que o leitor fez desse texto, dessa elaboração organizada (e elaborada organização) da escrita, percepção significativa e sentidual do que se diz, melhor, escreve, que do que lê faz o leitor ( e que redundante dizê-lo, pode não corresponder ao que era intenção do poeta ou escritor dizer, significar, e, mais do que isso, o drama que isso (essa não-correspondência) representa, para aquele que escreve, que na escrita como fala, faz ouvir a sua voz (digamos assim, embora seja, não fala, sim escrita, o que aqui está em questão).
Parece ser, e talvez seja, uma resposta a objecções críticas ou apenas uma explicação/justificação pessoal perante tais objecções críticas ou perante críticos e objectores - assinalados nas marcas de pessoa e número da forma verbal inicial "Dizem".
Em questão, o fingimento e/ou mentira. Já vimos que fingir, em rigor, não é mentir. Em rigor, isto é, para além ou um pouco acima do senso comum. A nível do senso comum, porém, fingir e mentir, se não se pode dizer que se trate propriamente do mesmo, também não são actos ou atitudes muito distanciadas.
"Minto", portanto, nõ está aqui só para rimar com "sinto", mas porque tem categoria e dignidade de argumento, e tê-lo em conta é reconhecer-lhe essa categoria e essa dignidade.
Questão menor. Questão maior é o que se segue: a sumária mas lapidar explicação/justificação que aí se faz de "tudo o que escrevo".
Não é pretender desmentir que seja de fingimento que se trata. Mas também não é confirmar que se trate de fingimento. Porque é, mas não é, ou não é bem como parece ser, e pode até ser muito diferente do que parece.
O que parece é o que "dizem" - fingimento ou mentira. Mas fingimento ou mentira é uma coisa, no entendimento ou na perspectiva dos que "dizem", e outra na perspectiva ou no entendimento do que escreve. A mensagem não é ou não quer dizer o mesmo para o que escreve e para o que lê, o emissor e o receptor. E isso aquém do que também mais do que provavelmente não será o mesmo ou não quererá dizer o mesmo de receptor para receptor - questão, aliás, que aqui não se levanta, ou à qual o emissor é indiferente: a recepção é plural, inúmera e anónima, e, pessoalizado ou individualizado, só o emissor, por oposição distintiva (e poderíamos dizer criticamente ostensiva) em relação aos demais.
Eis-nos, portanto, plenamente dentro da questão comunicacional, a mesma de "Autopsicografia".
...
in: Fingimento e Escrita
(Fernando Pessoa numa perspectiva da comunicação e dos meios)
Fernando Pessoa numa perspectiva da comunicação e dos meios
Editora O MIRANTE, Santarém
Setembro de 2006
A bibliografia sobre Fernando Pessoa é hoje tão vasta que quase se tem a tentação de dizer que sobre ele e a sua obra já tudo foi dito. E sobre os poemas «Autopsicografia» e «Isto» (sobretudo o primeiro) já tanto se disse que parece não haver muito mais a dizer. Não é essa no entanto a ideia em que aqui se assenta e de que aqui se parte para uma leitura nova e diferente destes poemas e da obra de Pessoa (de que tais poemas são a chave para toda a interpretação), numa perspectiva da comunicação e dos meios. Na perspectiva da comunicação, já muito se escreveu. Na perspectiva dos meios, não, pelo menos para além de algumas aproximações, mais nos domínios do psicológico e do literário do que do comunicacional. No caso, o meio central em questão é a escrita. E é disso que se trata nos textos deste livro. uma revisão crítica das leituras de «Autopsicografia»; uma leitura nova (comunicacional e mediológica) deste poema; outra do poema "Isto"; uma análise da frase "A minha pátria é a língua portuguesa"; outro sobre a máquina de escrever e as alterações comunicacionais por ele produzidas; outro ainda sobre um poema de Dylam Thomas, onde é da escrita que se trata, e dos seus poderes (aquém e além das evidências de que o que está em questão é o problema da guerra ou da paz). "Fingimento e Escrita, Fernando Pessoa numa perspectiva da Comunicação e dos Meios", situando-se, embora, na linha dos estudos pessoanos, pretende-se, aí, algo de diferente e novo, renovador, inovador,alterador.
Luís de Miranda Rocha
"Isto", uma leitura
Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sinto ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço,
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está o pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que o não é.
Sentir? Sinta quem lê. (1)
É o poema "Isto" e aparece em diversos manuais escolares e antologias logo a seguir a "Autopsicografia". E não é por acaso, decerto. Talvez principalmente por duas razões.
Uma é que, na ordenação temporal do poemário de Pessoa ortónimo, os dois poemas estão muito próximos, a uma distância de cerca de dois anos e na última fase da vida do autor.
Outra é que, talvez por isso, é mais entrevisível a relação entre os dois poemas no que respeita ao tema, aos temas.
Mais importante do que a ligação entre os dois poemas é o carácter explicativo que se pode atribuir a "Isto" relativamente a "Autopsicografia". Explicativo e/ou justificativo. Complementar e/ou suplementar, também, decerto. Mas dizer complementar ou suplementar é significar pouco, face à íntima relação (temático-assumptiva, estilística, até formal) entre os dois poemas. E ainda que sem grande rigor, porque no domínio das impressões, poderíamos falar também do mesmo tom de voz, de fala, de discurso.
O próprio título, "Isto", parece indicativo a tal respeito. Isto é um pronome demonstrativo neutro, aplicado a um conjunto indeterminado de objectos, de situações. Indica, porém, a proximidade do que vagamente (neutralmente, digamos, ou indiscriminada e distanciadamente) designa.
No caso, "Isto" parece apontar aquilo de que em "Autopsicografia" se trata: o fingimento, a escrita que o medeia e processa, o que resulta que o leitor fez desse texto, dessa elaboração organizada (e elaborada organização) da escrita, percepção significativa e sentidual do que se diz, melhor, escreve, que do que lê faz o leitor ( e que redundante dizê-lo, pode não corresponder ao que era intenção do poeta ou escritor dizer, significar, e, mais do que isso, o drama que isso (essa não-correspondência) representa, para aquele que escreve, que na escrita como fala, faz ouvir a sua voz (digamos assim, embora seja, não fala, sim escrita, o que aqui está em questão).
Parece ser, e talvez seja, uma resposta a objecções críticas ou apenas uma explicação/justificação pessoal perante tais objecções críticas ou perante críticos e objectores - assinalados nas marcas de pessoa e número da forma verbal inicial "Dizem".
Em questão, o fingimento e/ou mentira. Já vimos que fingir, em rigor, não é mentir. Em rigor, isto é, para além ou um pouco acima do senso comum. A nível do senso comum, porém, fingir e mentir, se não se pode dizer que se trate propriamente do mesmo, também não são actos ou atitudes muito distanciadas.
"Minto", portanto, nõ está aqui só para rimar com "sinto", mas porque tem categoria e dignidade de argumento, e tê-lo em conta é reconhecer-lhe essa categoria e essa dignidade.
Questão menor. Questão maior é o que se segue: a sumária mas lapidar explicação/justificação que aí se faz de "tudo o que escrevo".
Não é pretender desmentir que seja de fingimento que se trata. Mas também não é confirmar que se trate de fingimento. Porque é, mas não é, ou não é bem como parece ser, e pode até ser muito diferente do que parece.
O que parece é o que "dizem" - fingimento ou mentira. Mas fingimento ou mentira é uma coisa, no entendimento ou na perspectiva dos que "dizem", e outra na perspectiva ou no entendimento do que escreve. A mensagem não é ou não quer dizer o mesmo para o que escreve e para o que lê, o emissor e o receptor. E isso aquém do que também mais do que provavelmente não será o mesmo ou não quererá dizer o mesmo de receptor para receptor - questão, aliás, que aqui não se levanta, ou à qual o emissor é indiferente: a recepção é plural, inúmera e anónima, e, pessoalizado ou individualizado, só o emissor, por oposição distintiva (e poderíamos dizer criticamente ostensiva) em relação aos demais.
Eis-nos, portanto, plenamente dentro da questão comunicacional, a mesma de "Autopsicografia".
...
in: Fingimento e Escrita
(Fernando Pessoa numa perspectiva da comunicação e dos meios)
domingo, abril 01, 2007
Luís de Miranda Rocha
Luís de Miranda Rocha nasceu em Mira, em Agosto de 1947 e faleceu, em Coimbra, a 28 de Março de 2007. Escritor, jornalista, professor. Publicou mais de duas dezenas de livros e cadernos e a sua presença consta em mais de duas dezenas de colectivos, nos domínios da poesia e do ensaísmo crítico. Desde os anos 60, colaborou em diversos jornais e revistas. Foi sócio da Associação Portuguesa de Escritores e membro da Associação de Críticos Literários, as quais representou em júris de múltiplos Prémios Literários. Jornalista, desde 1973, foi profissional durante dez anos em Lisboa (Diário de Lisboa e outras publicações. Fez, desde 1983 a Voz de Mira e desde 1998 a revista cultural Gandarena, dos quais foi director-adjunto. Como professor, esteve a leccionar no secundário, passou pelo ensino superior e politécnico, e pelo técnico e profissinal no ITAP, em Coimbra. Foi formador, pelo Cenjor, na área do Jornalismo. Frequentou o Instituto de Estudos Sociais e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, entre os fins dos anos sessenta e princípios de setenta.
Licenciou-se, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em Estudos Portugueses. Frequentou ainda um mestrado nesta área, na Universidade de Aveiro, tendo feito o ano curricular.
Viveu em Viseu, Lisboa e Coimbra.
Poemas seus estão traduzidos em Castelhano.
Sobre um dos seus últimos livros, A luz da noite, o som do mundo, editado,em 2001, pela Nova Imbondeiro,livro este assaz importante no panorama da nossa poesia contemporânea, escreveu Cristina Mello, como posfácio a este livro, um longo texto de interpretação dos seus vários segmentos de leitura, do qual se transcreve um breve parágrafo.
« Numa tentativa de compreender o imaginário do canto grave de A luz da noite, o som do mundo, canto (fala,voz) que recusa as amenidades, as harmonias eufónicas, mas também a sua tradução semântica, ocorre que nele se alude, de um modo muito subtil (quase como uma natural decorrência dos significantes verbais), a um mundo em que não há lugar para a harmonia, para a unidade»
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