quarta-feira, novembro 16, 2005

CONSTANTIN CAVAFY
'PERGUNTAVA PELA QUALIDADE'



Do escritório em que lhe haviam dado emprego
insignificante e pobremente pago
( umas oito libras por mês, incluindo comissões)
saiu, quando a tarefa o curvara sobre a escrivaninha;
saiu eram sete horas, devagar vagueou
pelas ruas fora. Belo e atraente,
como que dele se exalava uma aura
de plenitude sensual completa.
Um mês antes, fizera vinte e nove.

Ia passando pelas ruas, pobres becos,
a caminho da casa em que morava.

Cruzara em frente a uma pequena loja,
destas que vendem tudo quanto há
de imitações baratas, coisas ordinárias,
quando lá viu um vulto, viu um rosto,
que o prenderam, e entrou, fingindo querer
saber de uns lenços de cores vivas.

Numa voz embargada perguntava pela qualidade
e o preço dos lenços, numa voz que o desejo
quase esvaía de tremor, extinta.
E as respostas vinham de igual tom, alheadas,
numa voz baixa e que se velava
de um consentir subentendido.

Continuaram sempre a falar dos lenços -
mas fito único era que as mãos se tocassem
nos lenços, e que as faces se aproximassem,
e os membros se roçassem como por acaso:
a momentânea graça do contacto físico.

Depressa e em segredo, para que o lojista
sentado lá no fundo, não se apercebesse.

[Trado. JS]

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