domingo, junho 13, 2010

A GÊNESE DE "POEMA SUJO", DE FERREIRA GULLAR

Segundo o dicionário Aurélio, a palavra, sujo, significa: emporcalhado; falta de limpeza; infeccionado; indecoroso; indecente; desonesto; em quem não se pode confiar; desmoralizado; que perdeu o crédito junto a alguém.
O livro poema sujo de Ferreira Gullar foi escrito em Buenos Aires, em 1975.
O livro conta ser de vários poemas não titulados lançado em 1976. Ferreira Gullar escreveu-o depois de anos de exílio Moscou, Santiago do Chile e Lima. A primeira parte do exílio foi sofrida e atordoante. Transferiu-se em 1974, para Buenos Aires, cidade mais acolhedora e próxima do Brasil. Mas, desgraçadamente, logo a situação política se agravou, desencadeando-se a repressão às esquerdas e aos exilados. Com o passaporte vencido, não poderia sair do país, a não ser para o Paraguai ou para a Bolívia, dominados por ditaduras ferozes como a nossa. Muitos morriam ao tentar fugir do regime, sabia-se que agentes da ditadura brasileira tinham permissão para entrar na Argentina e capturar exilados políticos. Gullar sentiu-se dentro de um cerco que se fechava e decidiu então escrever um poema que fosse seu testemunho final, antes que o calassem para sempre. A gravidade e urgência da situação não apenas mudaram sua relação com o passado como o impeliram para o seu meio natural de expressão – o poema. Mas não se tratava, porém, de simplesmente evocar a infância e a cidade distante (São Luiz, Maranhão). Ele queria resgatar a vida vivida (talvez de sentir-se vivo). O discurso do poema é acerca do passado talvez uma tentativa de torná-lo presente outra vez.
Gullar imaginou que poderia “vomitar” em escrita automática, sem ordem discursiva, a massa de experiência vivida. O que importaria não era o modo e sim o poema em si.
“O poema deve começar antes de mim, pensei, começar antes do verbo”. Deu-se
então o primeiro passo para a construção do livro:

“turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro”
(pág 3)

Encontrado o umbigo do poema, ele fora ganhando corpo. De maio a agosto Gullar viveu entregue ao poema. Uma ampla aventura se iniciava. Estava iluminado, conseguira transpor toda a riqueza que estava dentro de si. Sozinho e sem emprego, com o mínimo de obrigações passava o dia mergulhado em seus versos.
Em agosto, o poema que até ali fluíra naturalmente, estancou-se de repente. O poema se dera por findo, mas faltava concluí-lo, faltava um fecho. Durante quase dois meses Gullar deixou de pensar nele até que um dia, inesperadamente começou a murmurar:

“O homem está na cidade
Como uma coisa está em outra”
(pág. 66)

E assim concluiu Poema Sujo, surpreendendo-lhe por sua perfeita adequação ao resto do poema. Ao escrevê-lo,vivera uma experiência poética única, por sua longa duração e pelo estado especial em que o fizera.

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